Alta madrugada. Tento dormir, mas os tiros não deixam. Olho para o lado e vejo meus filhos deitados , apenas um pano fino separa seus magros corpinhos do chão. A solidão, o medo, a tristeza me sufocam e uma lágrima cai. Sabe, é difícil chorar, às vezes penso que estou me transformando numa pedra, porém é necessário ser dura, pois só assim consigo sobreviver.
Amanhã será o ano novo... Como queria que tudo fosse diferente, mas minha imaginação só consegue me levar até aqui. Roubaram-me a habilidade de sonhar. Hoje, olho e vejo o real, minha realidade é miséria, dor e solidão... Não resta mais nada, qual será o futuro dos meus filhos? Não posso oferecer nada, e isso é cruel, corrói; nada, nada, nada... Esta palavra fica latejando em minha cabeça e parece que cria um eco, naaaaaaaaaaadaaaaaaaaaa.
Eu estudei, tinha o sonho de ser escritora, mas fui arrancada deste sonho por uma tragédia; não importa... E, meus filhos, ah!!! Meus filhos, nem sei se o mais velho continuará estudando, afinal de contas, preciso de alguém que me ajude financeiramente, e só me restou ele. Sabe, esse menino sonha , fala que nunca deixará de sonhar e que tudo é possível ao que crê; ele acredita que as coisas irão melhorar, que uma oportunidade surgirá. Ele fala que isso é fé, e que aprendera que ela é poderosa. Quando digo algo sobre o pai dele, que fora embora, ele me diz que, agora, ele tem um Pai que não o abandonará jamais - Deus. Uma coisa eu sei, as circunstâncias que nós vivemos parecem não mais atingir meus filhos. O irmão mais velho leva todos à Igreja pela manhã e eles acreditam que tudo mudará. Eu acabo de me lembrar de uma frase que ouvi nos tempos de escola, “a verdade não é o real, ainda que gêmeos” (Lidia Jorge). Sabe, meus filhos estão crendo em uma verdade superior, digo superior, porque consegue transformar a tristeza que os rodeia. Meus filhos não olham para a realidade, acreditam nesta verdade superior, acreditam em mudanças. Acreditam que com Jesus, tudo será diferente, acreditam em algo melhor, acreditam... Uma coisa eu tenho que assumir, meus filhos estão sempre felizes, apesar de nossa medíocre realidade.
Os tiros cessam e eu estou a pensar: que diferença existe entre mim e meus filhos? Eles possuem paz e eu agonia, eles alegria e eu tristeza... Resolvo acordar meu filho mais velho e dizer a ele que quero o que ele e os irmãos possuem. E, que o Deus, a quem ele chama de Pai, me ajude.
Franciane Santana
Realmente... Franciane.
ResponderExcluirÉ sua alma; ajudar os oprimidos e os sobrecarregados a encontrar o CAMINHO.
Gostei demais deste conto... com certeza é a realidade que cerca a vida de muitos brasileiros...ainda. E a forma gentil desta escrita toca com muita facilidade a alma dos que estão sobrecarregados.
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