sábado, 23 de abril de 2011

Ano que vem em Jerusalém

Jonathan e Raquel correram apressados para levar a pequena Sarah ao hospital, quando mal tinha terminado o ultimo cântico - LeShaná  HaBa’aB’Yerushalaim – (No ano que vem em Jerusalém) que sempre marcava o fim do Seder de Pessach ( Ceia de Páscoa) e reafirmava a confiança na redenção do povo judeu.  A febre não havia cedido. Ao contrario, aumentara cada vez mais.
Alguns meses depois, a febre ainda continuava.  Uma leucemia feroz tomava conta não só do corpo de Sarah, mas da saúde emocional de toda família. Tudo girava em torno dela, da busca de tratamentos mais avançados, da espera de uma medula compatível que pudesse ser doada.
 Certa noite, Rachel estava especialmente exausta, e Jonathan a mandara passar a noite em casa.  Como um patriarca, sentia-se na obrigação de ser forte, mas a verdade é que estava completamente devastado. Seus pais haviam sobrevivido ao holocausto, ao horror de Auschwitz. Vieram para o Brasil. Passaram todo tipo de dificuldades e do nada fizeram fortuna. Mas toda a força do puro sangue judeu daquela família parecia sucumbir agora. E Jonathan, impotente diante daquela doença, sofria sentindo-se também um covarde.
Foi quando um homem desconhecido chegou ao hospital. Disse-lhe que estava orando em casa e tivera uma visão. O Senhor Jesus o enviara para orar pela cura de sua filha. Para que ele acreditasse, disse-lhe também que Deus havia lhe revelado que ele perdera seu kipa (boina judaica) naquela manhã, e por isso não fora a sinagoga.
Jonathan assustou-se, pois ninguém sabia deste fato. Mesmo assim, iria lhe dizer que era judeu convicto e não cria nesse Jesus. Mas o cansaço lhe venceu. Não tinha forças para sequer argumentar. E afinal, era mais uma tentativa...
Permitiu que o homem orasse por Sarah.  Após a oração, o homem lhe disse então que o poder de Yavé Rafá (Deus que Cura) estava no nome de Yeshua HaMashiach (Jesus, o Messias). Que sua filha acordaria desinchada e em poucos dias receberia alta. Que ela nunca mais teria problema algum no sangue.
Tudo sucedeu exatamente conforme sua palavra. E não só Jonathan, mas toda sua família se converteu ao cristianismo.
                    Quando uma nova Peshac (Páscoa) se aproximou, Jonathan tentou falar com todos os seus amigos da sinagoga. O número de Gamaliel foi o último número que tentou, na verdade o último de quem ele esperava alguma resposta. Gamaliel nunca fora do seu circulo de amigos íntimos, apenas um membro da sinagoga que chegara à colônia a pouco tempo, preparando-se para ser rabino. No entanto foi o único que lhe atendeu.
-Shalom (A Paz)! Estou ligando para lhe desejar uma boa ceia, afinal é Pessach.  E obrigado por me atender.
Gamaliel respondeu com mansidão que era um mitsva (mandamento) amar os irmãos, e que apesar de tudo, ainda o considerava um irmão. Disse-lhe que soubera de tudo que aconteceu a Sarah. Defendia que deviam dar tempo ao tempo, pois se isso fosse da parte de Yavé permaneceria. Caso contrário, Jonathan deveria retornar e observar o Torah (conjunto de leis judaicas) com mais diligência.
Jonathan agradeceu a atenção mais uma vez. Era a primeira Pessach desde sua conversão, e sentia-se ainda confuso com tantas mudanças. Passara a vida guardando o shabat (sábado), rezando pela vinda do Mashiac (Messias), pela reconstrução do terceiro Bet Hamicdash (Templo Sagrado). Mas tudo se fizera novo para ele.
Na Igreja lhe explicaram na que não havia problema em celebrar uma ceia de páscoa em casa, que apenas deveria acrescentar ao sentido da Pessach a lembrança do sacrifício e da ressurreição de Jesus. Sentia falta da comunidade judaica, mas agora experimentava a Shalom (paz) como nunca antes. Começava a perceber que, como aquele homem  que nunca mais vira, tinha também o dom de curar em nome de Yeshua , e na Unção do Ruach HaKodesh  (Espírito Santo) podia conhecer fatos passados e saber de outros que ainda aconteceriam.
 Sentia um desejo forte de ir para a terra de seus antepassados, à sua terra, e unir-se a uma comunidade de judeus messiânicos. Assim como os antigos neviim (profetas), desejava anunciar a inauguração da B’rit Hadashaá (a Nova Aliança). Tinha um chamado missionário, como explicaram a ele. 
Ao ver Sarah brincando, sem nenhum sinal da doença, seu coração enchia-se de alegria e gratidão. Decidiu que este ano, além de afikomans (doces judaicos próprios da Páscoa), ela e Bejamim, seu filho mais velho, receberiam pela primeira vez ovos de chocolate.
Sim, ele iria testemunhar aos irmãos judeus tudo que lhe acontecera. Anunciar que da raiz de Davi, já chegara redenção. Que o descendente de Abraão fizera bendita todas as famílias da terra. Que Yeshua salva e cura. Sabia que não seria fácil, talvez por isso recebera dons tão extraordinários, mas  acima de tudo, confiava em Yeshua.
Estava decidido e contava com apoio de Rachel. Esta seria sua última Pessach no Brasil.
LeShaná  HaBa’aB’Yerushalaim-   No ano que vem em Jerusalém. 

Lenise Freitas

LeShaná  HaBa’aB’Yerushalaim - No que vem em Jerusalém, milenar canto judaico que reafirma a confiança no restabelecimento do Reino de Israel e do Templo de Jerusalém; Seder- ceia ; Pessach- Páscoa; Kipa-  pequeno chapéu em forma de circunferência usado por judeus como sinal de temor a Deus;  Yavé Rafa- Cura de Deus;  Yeshua HaMashiach- Jesus, o Messias; Shalom – Paz;  Mitzvah – mandamento; Torah- Leis sagradas do judaísmo; Shabat- sábado; Bet Hamicdash- templo judeu;  Ruach HaKodesh- Espírito Santo de Deus; Neviim – profetas; B’rit Hadashaá- Nova Aliança ; Afikomans- doces destribuídos na Páscoa judaica.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Páscoa


Pegadas de carvão que marcam o caminho, trilha a ser percorrida por crianças e adultos... Onde será que esse coelhinho escondeu nossos ovinhos? Quem nunca brincou de encontrar seu ovo da Páscoa? Ou quem nunca acordou pela madrugada para marcar com pedacinhos de carvão as pegadas do coelhinho? Bombons e mais bombons, filas intermináveis, uma correria maluca em busca do ovo perfeito... Será que isso tudo é um erro? Será que é algo banal? Ou desnecessário? Com toda certeza, não. Entretanto, resumir uma data tão importante em algo tão simplório, é de certa forma estar cego, ou pelo menos, míope.

Sabe, caro leitor, a celebração da Páscoa é muito mais do que chocolates e coelhinhos. Páscoa é vida, é um momento que devemos parar e refletir se, realmente, estamos exalando vida e manifestando a essência da ressurreição...  Atente-se para esta palavrinha dotada de um campo semântico perfeito, cheio de significados que devem ser transformados em prática.

Páscoa, nada mais é do que ressureição, que por sua vez aponta para o fato ou ato de se fazer reaparecer, tornar a viver...  Percebes? Tornar a viver. Quantos de nós deixamos que alguns sonhos ou desejos se perdessem pelo caminho; ou quem sabe, pessoas, sem querer, ou mesmo querendo, algumas vezes disseram palavras que nos magoaram, que nos marcaram... Ou ainda, uma situação difícil que podemos ter vivido... Enfim, seja o que for, só trará consequências duras e feias se assim permitirmos. O segredo está em não dar a essas “coisinhas” um lugar de destaque. O que houve, o que falaram, o ocorrido, tudo já passou; o que nos aguarda é o amanhã, é o novo, é a libertação de um passado de dor, de mágoas , de lembranças ruins, é a possibilidade de reescrever a história, a nossa história. É a habilidade inata que está dentro de cada um de nós de renascermos, de transformarmos as experiências ruins em crescimento, os deslizes em aprendizado e, se porventura, a realidade é cruel, que tal não desistir e caminhar em direção ao Cordeiro Pascoal.

O quadro que outrora estava turvo, confuso, nebuloso, que tal pintarmos uma bela paisagem? Isso, sim é Páscoa, esperança que brota, cresce e floresce. Então, permita-se viver a Páscoa, a nossa Páscoa!!! Pense nisso.

Com carinho
Franciane Santana

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Epifania

O trânsito para, um calor asfixiante, o suor escorre, minha mente não consegue se aquietar. Turbilhões de pensamentos percorrem minha cabeça. Sentimentos afloram e a inquietação ganha, não há como resistir. Ela é bem mais poderosa do que eu. Uma simples mortal eu sou, sem saída, sem recursos...
O que farei? Fui demitida...  Tanto me empenhei, mas foi em vão. A empresa precisava fazer cortes, contenção de despesas. Resolveram então, dispensar os mais novos da casa. Ah! Como eu sonhei com esta vaga! O trânsito anda um pouco, reparo no vendedor ambulante de água... Quantos iguais a ele não existem? Quantos se aventurando entre os carros tentando sobreviver, faça sol ou chuva? Lá estão eles... Mandada embora, eu? Sempre fui tão eficiente... Um menino me oferece balas, digo que não. Vê se pode! Fui despedida, estou angustiada, cheia de problemas, e ele vem me oferecer balinhas...
Diante de minha recusa, abaixa os olhos e se distancia. Fico olhando pelo espelho retrovisor, o menino se afastando. Um quadro se pinta... Por um minuto, acordo, desperto e me dou conta de quanto egoísta estava sendo... Poderia ter sido um pouco mais doce com aquele menino, que não deveria ter mais do que 6 ou 7 anos. Afinal de contas, sua realidade já era demasiadamente cruel...
Buzino, insisto. O menino olha, peço que volte com um aceno, e ele rapidamente está à minha janela:
- Oi, tia! Aquele “tia” ajuda o nó na minha garganta a se formar... Engasgada com o choro, digo que quero comprar toda a caixa de balas. O menino sem ação me olha, assustado, olhos grandes, tristes... Uma lágrima escorre pelo seu rostinho miúdo. Uma lágrima escorre também pelo meu. Dou a ele o dinheiro, pelo que ele agradece.
Os carros começam a buzinar, o trânsito flui. Lembro-me de um versículo da Bíblia que diz que aquele que pode fazer o bem e não faz, peca. Uma onda de satisfação, bem-estar, toma conta de mim. Sabe, o calor é o mesmo, o ambiente também, mas meu problema não é mais tão grande assim, diminuiu. Meus olhos se abriram, pude ver o que é infortúnio. E que eu, definitivamente, não estava mergulhada em um problema incontrolável, nem tão grave... Percebe? Aquele menino, tão pequeno, tão menino, será que ele consegue sonhar? Será que ele pensa em brincar? Será que ele tem brinquedos ou uma cama quentinha no inverno? Ah! Menino...
Agradeço a Deus, pois acordei! Meus olhos se abriram, as lentes caíram, a miopia teve fim, não doeu! Me sinto melhor, e com mais responsabilidade frente à sociedade. O trânsito anda...

Franciane Santana