domingo, 18 de dezembro de 2011

Meio litro de sangue

Olá, leitores do Guarda-Roupa!
Depois de bastante tempo sem novidades, estamos de volta!
Com todo fôlego!
Espero que gostem!


"Eu preciso de um tempo para pensar..."

Foi com essa frase que nosso pequeno Timothy causou estranhamento a todos nós. Ele tinha apenas oito anos, mas sempre pareceu precoce, à frente do seu tempo. Aos cinco anos de idade, estava escrevendo suas primeiras palavras, e foi um dos primeiros de sua classe a aprender a ler. Mas, agora, essa frase parecia tão inapropriada...

Naquele dia, a irmã mais nova, nossa filhinha Judith, sofreu um acidente grave em casa. Com apenas dois anos e meio, acabou de aprender a andar, e já queria correr. Quis descer a escada correndo, apesar de todas as nossas restrições quanto a isso. A queda foi feia, e ela perdeu muito sangue.
Seria preciso mais do que o estoque do hospital fornecia. O sangue de Judith era de um tipo difícil, e nenhum de nossos conhecidos dentro de um raio de 100km estava disponível ou era compatível...

Explicamos a situação para Timothy, de que sua irmã estava num estado grave, e que precisávamos que ele fizesse um teste sanguíneo. Ele tinha grandes chances de ser compatível, afinal era filho dos mesmos pais... 

Ele concordou, sem hesitar: "Claro! O que vai precisar, mamãe?"

"Vai ser somente uma picadinha de mosquito no dedo, querido. Não vai doer quase nada..."
Bem, como esperávamos, seu sangue era compatível. Mas a situação de Judith havia se agravado. Bem tarde da noite, ela teve uma outra hemorragia. Ela precisaria agora, de uma transfusão direta. Não era como é feito hoje, precisava ser transferido direto para ela, era a tecnologia que tínhamos na época, naquela cidade do interior...

Perguntamos ao Timothy: "Você aceitaria, filho, transferir seu sangue para a sua irmãzinha?"
E ficamos surpresos com a resposta: "Eu preciso de um tempo para pensar... Posso dar a resposta amanhã de manhã?"

De boca aberta, sem saber o que fazer, fomos para casa. Passamos boa parte da noite tentando contactar alguns amigos que poderiam ser compatíveis, mas não encontramos. Já era bem tarde, e quase não conseguimos dormir. Todos acordamos bem cedo, inclusive o Timothy.
Ele foi o primeiro a puxar o assunto enquanto corríamos com o café para ir de volta ao hospital:

"Mamãe, já decidi, vou doar meu sangue para a Judith"

Respiramos aliviados, e explicamos a ele que aquela atitude salvaria a vida da sua irmã. Ele disse: "Eu sei, mamãe. Eu gosto da Judith. Ela precisa viver..." E nos abraçou como se fosse a última vez...

Nosso pequeno menino, meio temeroso por causa de tantos equipamentos, sentava-se imóvel na cadeira da sala do hospital. Ainda com medo, fechou os olhos quando chegou a hora de colocar a agulha. Abriu rapidamente, mas voltou a fechar quando viu que o sangue estava saindo de suas veias. Apertou os olhos...

Enquanto isso, conversávamos com o médico. Ele nos dizia que havíamos demorado para fazer a transfusão, mas que as chances eram boas, já que havíamos encontrado um doador compatível. Nos assegurou que uma transfusão de sangue resolveria o caso da hemorragia, e então tudo estaria resolvido dentro de alguns dias. Explicamos que o Timothy tinha pedido um tempo para pensar, mas o médico parecia não acreditar que tínhamos pedido a opinião dele para um assunto tão grave! Dissemos que preferíamos assim...

Timothy continuava com os olhos fechados. A transfusão ocorrendo. Pensou na sua irmãzinha... Pensou nos seus pais... Pensou de novo na Judith, e nos momentos felizes no jardim brincando e fazendo piqueniques...

Depois de alguns minutos, o médico tocou seu braço silenciosamente, despertando-o do seu "estado de nervos". Ele, ainda nervoso fez a pergunta que fez toda a diferença para nós:

"Vai demorar quanto tempo pra eu começar a morrer?"

Então, entendemos tudo...

Felipe Aguiar

Adaptado de uma história contada por Jack Kornfield, no livro "Palavra por Palavra", de Anne Lamott

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