Eu não sabia o que fazer. O que dizer à minha esposa, aos meus filhos. E, ainda mais, a todos os que tinham saído de suas casas para virem comigo. Ninguém esperava aquilo. Oramos, pedindo que a situação se resolvesse.
Algumas semanas antes eu recebo uma ligação. Era um grande produtor de eventos na Argentina. Ele me diz que gostava muito do meu trabalho, e que tinha todos os meus CDs. Fiquei impressionado, mas a imagem ficou abalada quando perguntei qual era sua música favorita. Ele não soube me responder.
A seguir, ele começa a tratar com minha esposa as questões burocráticas, e tudo que envolvia realizar um grande show na maior casa de espetáculos de Buenos Aires. Ele queria a banda completa, toda a estrutura de som e luz. Em outras palavras, seria a maior apresentação de nossa história. Minha esposa ficou muito animada, e reservou a data que ele queria em nossa agenda. Seria uma ótima oportunidade de tocar para aquele público que tanto gostava de nós. Há bastante tempo não tocávamos em Buenos Aires, aliás, ainda não tínhamos lançado nosso novo álbum quando tocamos lá pela última vez. Todos ficamos animados. A notícia logo se espalhou, e os ensaios gerais começaram.
Preparamos um show especial. Tocaríamos músicas novas, do novo disco, e também músicas dos outros, incluindo muitas do nosso disco de natal, que lançamos dois anos atrás. A decoração envolvia temas natalinos, como a árvore de Natal que minha esposa desenhou para o centro do palco. Ficou tudo muito bonito. No dia anterior ao show, bem cedinho, embarcamos no ônibus da turnê para a viagem. Seria uma viagem longa, de mais de 8 horas, mas nada que algumas boas conversas e muitas brincadeiras não fizessem encurtar o tempo. Nos sentíamos uma família, acho que essa é a melhor palavra para descrever o clima da viagem.
Quando chegamos a Buenos Aires, fomos direto para a casa de espetáculos. Montamos o equipamento, e nos preparamos para o ensaio final. Tudo correu muito bem, melhor até do que esperávamos. No finalzinho do ensaio, minha esposa recebe uma ligação. Pela expressão na sua face, percebi que não era algo bom. Quando terminamos a última música, perguntei a ela o que acontecera. Ela, com lágrimas nos olhos, disse:
“O produtor quer cancelar o show”
Palavras são poucas pra expressar a frustração que todos sentimos. Não sabíamos o que, naquela história, era verdadeiro e o que era falso. O que foi prometido a nós não foi cumprido, e agora havia uma decisão a ser tomada. Conversamos com o dono da casa de espetáculos por um longo tempo, e ele nos disse que conhecia nosso trabalho. Na verdade, era um grande fã da nossa música. E por isso havia concordado em cobrar tão pouco pelo aluguel do lugar. Com muito pesar, ele se despediu de nós, e disse:
“É uma pena que você não vai fazer o show. O aluguel já está pago, mas o produtor não vai conseguir arcar com os custos da sua banda.”
Não acreditei no que ouvi. No final, o dinheiro ainda tomava conta de tudo! Me indaguei se aquilo era mesmo o propósito do que eu fazia. Conversei com minha esposa, com minha banda, e chegamos a uma conclusão: iríamos fazer o show de graça!
Sabendo disso, o dono da casa de espetáculos ficou impressionado. E conseguiu um contato na rede local de televisão, e o show foi anunciado no horário nobre. A entrada era gratuita, queríamos que todos tivessem acesso ao que tínhamos preparado.
Dia do show, tudo pronto, chegamos a tempo de ver as filas se formando do lado de fora. Havia gente por todos os lados. Famílias inteiras, crianças, idosos, todos ali para participar daquele momento especial. Foi o público recorde da história daquela casa de shows. Nunca antes a cidade de Buenos Aires havia visto nada parecido.
Aquele show foi especial para nós. A música que fizemos vinha do coração. Muito mais do que o dinheiro que poderíamos ter recebido, o nosso salário ali foi algo muito maior que o dinheiro. Foi o sorriso daquelas crianças quando acendemos as luzes da árvore, foi o abraço do casal e de seus filhos na hora das músicas de natal, foi o encantamento do casal de idosos que não assistiam a algo parecido há muitos anos. Enfim, o nosso salário naquela noite foi o mais alto de nossa vida inteira...
Felipe Aguiar
Inspirado no incidente acontecido com Coalo Zamorano e Alex Campos, que fizeram um show gratuito após o mesmo ter sido cancelado.