Era uma manhã de terça-feira. Estava a caminho do trabalho, em uma movimentada rua do Rio de Janeiro. A cidade em obras, um fluxo intenso de carros passava por aquela avenida tão tumultuada. Pessoas com pressa, pessoas mal-humoradas, pessoas individualistas. Eu estava pensando nos meus problemas, nos dilemas que fazem parte da vida de qualquer ser humano. Mas, em especial, uma coisa me incomodava. Na noite anterior, havia recebido o aviso prévio no meu emprego. Estava demitido...
Uma cena, porém, me chama atenção. No meio de tantos arranha-céus e tantas construções por terminar, vejo uma cadela atravessando a rua, em meio a carros em alta velocidade. E mais, ela estava acompanhada de cinco filhotinhos, que a seguiam, atordoados com tanto barulho e movimento.
Aqueles cachorrinhos estavam tão aflitos que pareciam não se mover. A sua mãe, uma cadela bonita e forte, atravessava a rua sem problemas, mas voltava seguidas vezes para buscar seus filhotes. Aqueles poucos segundos pareciam uma eternidade para aquelas criaturinhas, esmagadas de um lado e de outro pelos carros que passavam buzinando.
Em meio a aquilo tudo estava eu. Distraído com o trânsito, eu estava pensando nas várias tarefas que deveriam ser feitas naquele dia, sem atrasos. Sem perceber, cheguei perto demais daqueles cachorrinhos, que se assustaram com o meu carro. Imediatamente, liguei as luzes de alerta, e freiei o carro, tomando cuidado para não causar um acidente. E foi aí que a confusão começou...
O carro que vinha atrás, um outro motorista apressado, começa a buzinar e a piscar os faróis em minha direção. O barulho causava ainda mais medo nos cães, que latiam bem baixinho, pedindo por socorro. Aos poucos, eles foram se afastando da mãe, e se colocavam em pior situação ainda. Como não sabia o que fazer, saí do carro para tentar ajudar. O motorista de trás continua buzinando, e quando vê que saí do carro, tira o cinto de segurança, mostrando intenção de querer sair do carro também. Algumas palavras ininteligíveis saíram de sua boca, e sua face foi tomada por uma expressão de ódio e violência. Ele saiu do carro querendo tomar satistações comigo, procurando saber o porquê de eu estar atrapalhando todo o trânsito do local.
Mas, não me dirigi a ele. Naquele momento, me dirigi aos cachorrinhos que atravessavam a rua. Quando o outro motorista viu que não me dirigia a ele, não estava querendo brigar, ele recuou. Só neste momento foi que ele viu o verdadeiro motivo da minha parada. E, então, acenou com a mão para mim, como que pedindo desculpas.
Depois que os cachorrinhos estavam em segurança, eu voltei ao carro, e pude, finalmente sair com o carro. Abri passagem para os carros atras de mim, ainda tentando ser gentil. Alguns segundos depois, o outro motorista passa por mim, e acena com a mão. Abaixa o vidro, e pede desculpas: "Eu não sabia o que estava acontecendo, não vi a cena completa. Perdão..."
Aquele episódio despertou algo em mim. Algo me dizia que o que eu estava vivendo era apenas uma parte da cena. Assim como aquele motorista reclamava, porque não conseguia ver o motivo de aquilo tudo estar acontecendo, eu também reclamava sem saber o que fazer nos próximos dias. A minha vida era muito mais do que aquela cena confusa no trabalho. Havia ainda muito mais para perceber.
Pensei no meu filho. Aquele ser que tinha me trazido tanta alegria, e que dependia de mim para fazer tudo. Pensei na minha esposa, mulher adorável que fazia os meus dias tão alegres e cheios de vida. Pensei na minha família, amigos, irmãos...
Fui para o trabalho mais confiante aquele dia. Percebi que minha vida era muito diferente daquela que a situação estava me mostrando. E, logo chegou a boa notícia: uma proposta de emprego, muito melhor que aquele que eu havia acabado de perder.
Decidi não buzinar mais quando um quadro confuso é pintado à minha frente. Decidi esperar para ver a cena completa. Ela é sempre melhor do que parece.
Felipe Aguiar